É uma dança que faz parte de uma cultura estadunidense, que envolve também música e canto, oriunda do estilo de vida e do convívio social a partir das ideias e estéticas de pessoas negras em diáspora forçada, com influências indígenas em um contexto de invasão e dominação territorial europeu em Abya Yala (América).
Há ainda, uma subdivisão de tempos, onde definimos e separamos o que seria original jazz, entendendo isso como o Solo Jazz e o Lindy Hop; e tudo o que veio a partir do que é chamado de Modern Jazz ou apropriação.
Particularmente, usei diversas vezes as denominações dessa forma, mas depois de mais estudos, convívios e escutas, além de algo que já intuía, agora não faço mais essa distinção, até porque jazz, só tem um.
Colocar em termos como old school ou vintage uma dança que ainda é regularmente praticada em diversos lugares do globo, mesmo que muitas vezes de maneira mais underground, é contribuir com os panos quentes colocados sobre o que vou chamar aqui, de “apropriação consciente”: que é quando as pessoas que tiveram seus contatos com essa forma de se dançar, vão atrás da sua história, buscam a teoria, mas em nada colocam em prática, acreditando estar fazendo mais que suficiente em apenas falar sobre isso com seus aprendizes. Penso que parte disso vem do colocar a dança particular antes da cultura e é como diz a frase “quem só tem ambições individuais, nunca entenderá uma luta coletiva.”.
Uma vez que a gente entende o que foi o jazz dance usurpado e de fato cria-se consciência sobre isso, a reparação histórica deve ser feita na ação. Talvez chamar o que se faz na Brodway e em contextos semelhantes de Dança Teatral ou Dança de Musical, parar de exigir que pessoas estudem também ballet (quando não é uma vontade delas) para associar ao Jazz e, principalmente, começar disseminar que Jazz é uma dança social e não uma dança acadêmica, podem ser ótimos pontos de partida.
Trazendo aqui meu relato e, também, como uma forma de servir de exemplo, há dez anos quando entendi tudo isso que aconteceu, que meu objetivo se tornou fazer um resgate prático dessa dança no contexto em que eu estava inserida na época: a universidade e escolas de dança. Conforme comecei a de fato praticar o lindy hop e solo jazz, minhas aulas se tornaram mais embasadas, autênticas e conectadas com o Jazz, e com uma de minhas principais referências, o JoJo Smith.
E aqui, entro no que considero o tópico mais importante sobre o assunto. Recentemente, vi um vídeo da Dolly Henry, onde ela fala sobre a falta de conhecimento das pessoas de que o Jazz já existia antes da Broadway e que pouco se fala sobre as pessoas negras que são importantes nessa história, e que ela, uma mulher negra, nunca teve professores negros e sabemos que a falta de identificação racial gera distanciamentos e falta de interesse ou curiosidade.
Lembro-me também de um vídeo da Debbie Allen, onde ela conta como começou a fazer aulas de dança com Patsy Swayze, no Texas, onde ainda havia a segregação racial e ela, por ser uma menina negra, não podia frequentar a maioria das escolas profissionalizantes de dança. Hoje, sua academia de dança é umas maiorias referências de inclusão e protagonismo negro. E tem também Pepsi Bethel, que fundou a American Authentic Jazz Dance Company e por mais que tenha trabalho em lugares mais conhecidos como a Broadway e o Alvin Ailey, é pouquíssimo mencionado pelas pessoas que hoje em dia se consideram do Jazz.
O que todas essas pessoas que citei aqui, Jojo, Dollie, Debbie e Bethel tem em comum, além de serem todas pessoas negras, foram pessoas que precisaram entrar no sistema para poderem dançar, mesmo que o sistema não fosse tão acolhedor com seus corpos, suas danças e, mesmo que soubessem que aquilo ali não estava totalmente ligado à sua ancestralidade cultural.
Pensando em Brasil, é sempre importante lembrar que mesmo que o Jazz não seja uma cultura nossa, não deixa de ser social e não deixa de poder ser praticado aqui. O país é importante na história do Jazz, tem relevância, mas pouco se fala sobre isso, o que aproxima e agrava com a falta de referência a representatividade que foram consequências da apropriação do Jazz.
Do meu ponto de vista, eu, uma mulher negra que tem a visão desses dois lugares, muitas vezes sou invalidada pelo discurso dito militante e preciso, constantemente comprovar teoricamente que minha prática é eficiente, num país onde o número de pessoas que praticam lindy hop é muito pequeno, onde a maioria desses praticantes o fazem apenas por hobby e o que domina o mercado, colocando por exemplo, Luigi como precursor de um Jazz Tradicional, não está interessado em fazer reparação.
Diferente dos conteúdos sobre Jazz que costumo trazer aqui, onde normalmente possuem um caráter mais informativo; fiquei inspirada pelas minhas últimas experiências e trocas sobre e com o Jazz, senti a urgência, mais que nunca, de deixar nítido que ou você é do Jazz ou você só mais uma pessoa surfando na onda da conivência.